terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Aquecimento global, tabagismo, obesidade, arroto de boi: sobre o que estamos falando afinal?

Apesar de eu não entender muito sobre os números do aquecimento global - por isso não vou me prender tentando verificar se procedem ou não - creio poder fazer uma reflexão sobre outro aspecto dessa questão, mais precisamente sobre a forma como ela tem sido trazida ao debate público: a escolha dos "culpados" pelo efeito estufa.
A moda, um tempo atrás, era dizer que os comilões tinham sua parte no aquecimento global: com peso acima da média, gastariam mais combustível para se transportar e comeriam mais que os outros, afetando a quantidade de alimentos disponível no planeta.
Depois, vieram os fumantes que, como poluidores do ar, colaborariam com o aquecimeto global não só por suas baforadas, mas também porque a produção do tabaco exige a queima de lenha para secagem das folhas e uso de grandes quantidades de defensivo agrícola, impactando também a qualidade do solo.
E agora, coisa de dez dias para cá, o vilão é o boi. Segundo a manchete, o processo digestivo do animal libera gás metano, sendo responsável, só na área do cerrado brasileiro, por quase 70% das suas emissões.
Não estou querendo dizer que não haja uma relação de causa-efeito entre uma coisa e outra, tampouco discutir se o percentual dos gaess por eles liberados está correto ou não. Apenas fico imaginando aqui se, de fato, esses argumentos contribuem positivamente para a conscientização e o envolvimento da população em geral com a crise ambiental. Em tempos de pós-Copenhague, essa reflexão me parece, vem a calhar.
Primeiro, penso que se levarmos o crítério de causalidade ad infinitum, vamos descobrir, para nossa infelicidade, que para o aquecimento global até o meu respirar, o cocô do cachorrinho da minha amiga e as cerejas que você pretende comer na ceia de natal são responsáveis por emissões dos gases de efeito estufa. Pouco, muito, mais ou menos, todos nós, apenas por estarmos aqui, agora, contribuímos com a liberação dos tais gases na atmosfera. A diferença - por isso as tentativas de composição de interesses no âmbito internacional - é que algumas fontes podem ser eliminadas ou reduzidas, o que em tese deve fazer reduzir o ritmo do aquecimento da Terra.
Portanto, se dessa maçã todos nós comemos, parece-me que emitir ou não emitir não é a questão. Então - eis a minha pergunta -, por que escolher os bois, o tabaco e a obesidade? Será que em vez de falar de bois, não poderíamos falar de frangos nas granjas? E, em vez de lembrar do tabaco, poderíamos pensar na soja? Ou, em vez dos gordinhos, pensar no tamanho dos dinamarqueses em relação à dos bolivianos? Afinal, será que estamos realmente falando em aquecimento global ou será outra coisa?
Como não tenho nada contra nem a favor do fumo, do excesso de peso ou da carne de boi, não tenho como não me perguntar porque foram eles os escolhidos e não os outros que acabei de citar. Haverá, de fato, uma problema ambiental significativo relacionado a esses fatores ou não estará o argumento ecológico do aquecimento sendo usurpado para reforçar a defesa de causas outras? Em outras palavras: será que esse alarde que se faz de tempos em tempos com a "descoberta" de mais um novo vilão do aquecimento global não seria, na verdade, uma forma de reavivar o debate de uma questão que já se colocou à sociedade anteriormente? Então, nas hipóteses levantadas, será que o aquecimento global é o foco ou não se está pretendendo discutir, na verdade, os riscos do fumo, da obesidade e dos impactos ambientais associados à pecuária e não o aquecimento global?
Essas indagações não estão sendo aqui lançadas com o intuito de minimizar a importância dessas questões: não há dúvida que os temas merecem ser amplamente discutidos e as soluções e políticas para o seu enfrentamento pensadas e executadas com o apoio da participação de toda a sociedade. Contudo, permito-me conjecturar se trazer ao debate um elemento periférico a tais questões, como é o aquecimento global, possa realmente contribuir para alguma coisa senão para causar apenas um escândalo social momentâneo e provocar a comoção de um ou outro mais impressionável, para logo se esvair na avalanche dos noticiários que renova diariamente a nossa cota de informações, deixando, de resto, apenas a sensação de que quase tudo o que fazemos é causa de aquecimento global - até o momento em que renunciamos a qualquer ação para lutar contra esse "mal", porque esse "mal", há de se concluir, somos nós mesmos, nossa existência, nosso modo de viver, não havendo, portanto, muito o que se fazer...
Portanto, embora eu acredite ser necessário discutir aquecimento global, obesidade, tabagismo, impactos ambientais da pecuária, também sou favorável a discuti-los com argumentos e idéias devidamente ordenadas, colocando cada coisa em seu devido lugar. Os problemas ambientais que vivemos hoje são intrinsecamente complexos e precisam ser enfrentados tomando em consideração esse importante e fundamental aspecto. Simplificar as questões que deles emergem - quando não direcionar ideologicamente essa simplificação - é um risco que se assume, de se banalizar e de diminuir o nível dos debates e, portanto, da própria participação dos cidadãos. Mas esse, sem dúvida, é assunto para outro post...




Para saber mais:

Arroto de boi:
http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1410629-5603,00-SO+ARROTO+DE+BOI+EQUIVALE+A+DOS+GASESESTUFA+POR+DESMATE+NO+CERRADO.html

Obesidade:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u402686.shtml

Tabagismo:
http://www.ecodebate.com.br/2009/09/28/fumar-destroi-tambem-o-meio-ambiente/

Nenhum comentário: