Uma das promessas mais comuns no dia 31 de dezembro é emagrecer. Já parou para pensar como – e porquê – tanta gente deseja perder aqueles quilinhos a mais?
Essa é uma perguntinha... “impertigante”? Sim, e é por isso que o assunto vai dar vários posts para este ano: poderíamos pensar, primeiro, por que é que tanta gente quer perder peso, gente que muitas vezes só tem uns pneuzinhos quase imperceptíveis. Também pensar um pouco sobre por que é que se anuncia uma epidemia de obesidade num mundo em que milhões de pessoas não tem três refeições diárias. E ainda refletir um pouco sobre o porquê de alguns povos estarem mudando radicalmente suas dietas, incorporando hábitos alimentares que não tem nada que ver com o clima, as necessidades ou o próprio paladar.... Enfim, há o que falar.
Este post, no entanto, só para começar a aquecer – é o primeiro da série “por que sempre é assim?” –, trata de uma questão que está bem presente no cotidiano das pessoas, até mesmo daquelas que não se importam em ser um pouco “roliças”: a (má) qualidade da nossa alimentação.
Para começar, tomo como premissa um fato: a maioria das pessoas mantém uma alimentação inadequada, especialmente nos grandes centros. Pessoas devorando sanduíches e refrigerantes com pressa; o sorvetinho de sobremesa comprado na esquina do trabalho; uma porçãozinha de fritas para acompanhar o chopp do happy hour; uma barra de chocolate só para desestressar. E, assim, a comida caseira cada vez tem se tornado mais um slogan de restaurante do que, de fato, aquela comida preparada em casa, com ingredientes trazidos da feira, do açougue ou da quitanda, servida na mesa com toda a família reunida.
Refeições fora de casa, preparadas com ingredientes cuja origem e cuidados no preparo desconhecemos, tem se tornado cada vez mais comum. E mesmo na cozinha de casa as práticas tem se modificado sensivelmente, seja pela incorporação de novos ingredientes, in natura ou processados industrialmente, originários de várias partes do mundo, seja na variedade dos já conhecidos congelados, pré-cozidos, enlatados e toda sorte de produtos semi ou totalmente prontos vindos do supermercado.
É certo que sem tantas praticidades, provavelmente não conseguiríamos dar conta de tantas tarefas, na precisão e no tempo que o mundo hoje exige. São tantos os compromissos e obrigações que falta tempo – e muitas vezes disposição e paciência – para cuidar da alimentação. Além do quê, convenhamos, quem gosta de sujar pilhas de colheres e panelas em casa (para depois ter de lavar e guardar tudo) e ficar horas na cozinha? Muito mais prático é sair para comer tudo prontinho na rua, sem sujeira, sem trabalho.
No entanto, ao outorgar a outras pessoas a tarefa de escolher ingredientes, elaborar cardápios, preparar e servir, renunciamos a parte do processo de decisão sobre o que ingerimos. E aí vem a questão: quem é que tem decidido por nós? Qual é o interesse de quem decide? E, principalmente: esse interesse coincide ou diverge dos nossos, enquanto consumidores?
Se pensarmos nos interesses de uma empresa, é evidente que o lucro está no cerne da sua constituição, é sua característica fundamental. Por mais que se afirme que hoje as corporações invistam-se de uma nova visão de negócio, assumindo responsabilidades sociais e ambientais, isso não significa abandonar ou modificar sua natureza capitalista.
Não se quer com isso dizer que as empresas não tem qualquer compromisso com a qualidade do que produz ou dos serviços que presta. No entanto, o fato de ter de equilibrar as expectativas, de um lado, dos consumidores e, de outro, de retorno do negócio, não é difícil entender porque os interesses dos consumidores tendem a ser satisfeitos sempre no limite da relação custo-qualidade. E, assim, seguindo essa lógica, cabe aos consumidores estabelecer escolhas criteriosas, ou seja, conhecer quem é o fornecedor e o que se está comprando, saber bem quais as expectativas que alimenta em relação ao produto ou serviço, saber efetivamente quanto se está pagando por aquilo e, finalmente, pesquisar.
Mas, sabemos, não é isso que acontece conosco. No dia-a-dia, entre tantas opções de consumo e tantas variedades que são oferecidas, nossa capacidade de escolha termina sendo reduzida, seja por falta de tempo, de conhecimento ou mesmo de tempo para ter de analisar tantas informações. Somando isso ao fato de que a publicidade em geral torna este processo mais difícil, na medida em que, sabendo de antemão que sua função é a de ressaltar os prós – o que reduz a visibilidade dos contra – consumir bem seria uma tarefa que só poucos teriam condições de praticar na forma ideal.
Além disso, um aspecto que muitas vezes também não é considerado neste processo é o consumo como lazer. Especialmente nos grandes centros, em que sobram cada vez menos espaços públicos que atendam a essa função, seja pela má conservação, seja pela violência que ocupa cada vez mais as ruas e praças, o shopping muitas vezes é a única opção agradável, prática ou possível para os momentos de relaxamento do cidadão. E shopping, como o próprio nome diz, é para comprar, ainda que comprar se torne sinônimo de diversão, nem que seja só um sorvetinho na casquinha ou lanchinho rápido.
Por isso a política pública precisa intervir. Não para dizer o que devemos ou não consumir, nem para nos “doutrinar” ensinando o que devemos ou não gostar ou querer, mas para, por meio de mecanismos de controle e comando, estimular não só o pensamento crítico e consciente dos consumidores, mas, sobretudo, oferecendo condições para que este pensamento crítico tenha espaço para se expressar. Na teoria é muito bom que todos saibam tudo sobre tudo, tenham acesso uma vasta quantidade de informação mas, na prática, o fato de saber não significa, necessariamente, condições para se orientar conforme esse conhecimento.
Uma boa polítca pública não é a que deixa todos livres, mas que permita que a liberdade não se torne um instrumento para dominação. Num mundo estimulado a “viver para comer” e não “comer para viver”, já é hora de pararmos para pensar um pouco nisso e não ceder à resposta fácil e moralista da gula, da falta de vontade e de caráter, ou que vivemos uma espécie de histeria alimentar coletiva – que só serve para culpar e não para resolver nada. Afinal, se a resposta fácil não resolve, talvez, o problema é que tenha se tornado complexo.
Essa é uma perguntinha... “impertigante”? Sim, e é por isso que o assunto vai dar vários posts para este ano: poderíamos pensar, primeiro, por que é que tanta gente quer perder peso, gente que muitas vezes só tem uns pneuzinhos quase imperceptíveis. Também pensar um pouco sobre por que é que se anuncia uma epidemia de obesidade num mundo em que milhões de pessoas não tem três refeições diárias. E ainda refletir um pouco sobre o porquê de alguns povos estarem mudando radicalmente suas dietas, incorporando hábitos alimentares que não tem nada que ver com o clima, as necessidades ou o próprio paladar.... Enfim, há o que falar.
Este post, no entanto, só para começar a aquecer – é o primeiro da série “por que sempre é assim?” –, trata de uma questão que está bem presente no cotidiano das pessoas, até mesmo daquelas que não se importam em ser um pouco “roliças”: a (má) qualidade da nossa alimentação.
Para começar, tomo como premissa um fato: a maioria das pessoas mantém uma alimentação inadequada, especialmente nos grandes centros. Pessoas devorando sanduíches e refrigerantes com pressa; o sorvetinho de sobremesa comprado na esquina do trabalho; uma porçãozinha de fritas para acompanhar o chopp do happy hour; uma barra de chocolate só para desestressar. E, assim, a comida caseira cada vez tem se tornado mais um slogan de restaurante do que, de fato, aquela comida preparada em casa, com ingredientes trazidos da feira, do açougue ou da quitanda, servida na mesa com toda a família reunida.
Refeições fora de casa, preparadas com ingredientes cuja origem e cuidados no preparo desconhecemos, tem se tornado cada vez mais comum. E mesmo na cozinha de casa as práticas tem se modificado sensivelmente, seja pela incorporação de novos ingredientes, in natura ou processados industrialmente, originários de várias partes do mundo, seja na variedade dos já conhecidos congelados, pré-cozidos, enlatados e toda sorte de produtos semi ou totalmente prontos vindos do supermercado.
É certo que sem tantas praticidades, provavelmente não conseguiríamos dar conta de tantas tarefas, na precisão e no tempo que o mundo hoje exige. São tantos os compromissos e obrigações que falta tempo – e muitas vezes disposição e paciência – para cuidar da alimentação. Além do quê, convenhamos, quem gosta de sujar pilhas de colheres e panelas em casa (para depois ter de lavar e guardar tudo) e ficar horas na cozinha? Muito mais prático é sair para comer tudo prontinho na rua, sem sujeira, sem trabalho.
No entanto, ao outorgar a outras pessoas a tarefa de escolher ingredientes, elaborar cardápios, preparar e servir, renunciamos a parte do processo de decisão sobre o que ingerimos. E aí vem a questão: quem é que tem decidido por nós? Qual é o interesse de quem decide? E, principalmente: esse interesse coincide ou diverge dos nossos, enquanto consumidores?
Se pensarmos nos interesses de uma empresa, é evidente que o lucro está no cerne da sua constituição, é sua característica fundamental. Por mais que se afirme que hoje as corporações invistam-se de uma nova visão de negócio, assumindo responsabilidades sociais e ambientais, isso não significa abandonar ou modificar sua natureza capitalista.
Não se quer com isso dizer que as empresas não tem qualquer compromisso com a qualidade do que produz ou dos serviços que presta. No entanto, o fato de ter de equilibrar as expectativas, de um lado, dos consumidores e, de outro, de retorno do negócio, não é difícil entender porque os interesses dos consumidores tendem a ser satisfeitos sempre no limite da relação custo-qualidade. E, assim, seguindo essa lógica, cabe aos consumidores estabelecer escolhas criteriosas, ou seja, conhecer quem é o fornecedor e o que se está comprando, saber bem quais as expectativas que alimenta em relação ao produto ou serviço, saber efetivamente quanto se está pagando por aquilo e, finalmente, pesquisar.
Mas, sabemos, não é isso que acontece conosco. No dia-a-dia, entre tantas opções de consumo e tantas variedades que são oferecidas, nossa capacidade de escolha termina sendo reduzida, seja por falta de tempo, de conhecimento ou mesmo de tempo para ter de analisar tantas informações. Somando isso ao fato de que a publicidade em geral torna este processo mais difícil, na medida em que, sabendo de antemão que sua função é a de ressaltar os prós – o que reduz a visibilidade dos contra – consumir bem seria uma tarefa que só poucos teriam condições de praticar na forma ideal.
Além disso, um aspecto que muitas vezes também não é considerado neste processo é o consumo como lazer. Especialmente nos grandes centros, em que sobram cada vez menos espaços públicos que atendam a essa função, seja pela má conservação, seja pela violência que ocupa cada vez mais as ruas e praças, o shopping muitas vezes é a única opção agradável, prática ou possível para os momentos de relaxamento do cidadão. E shopping, como o próprio nome diz, é para comprar, ainda que comprar se torne sinônimo de diversão, nem que seja só um sorvetinho na casquinha ou lanchinho rápido.
Por isso a política pública precisa intervir. Não para dizer o que devemos ou não consumir, nem para nos “doutrinar” ensinando o que devemos ou não gostar ou querer, mas para, por meio de mecanismos de controle e comando, estimular não só o pensamento crítico e consciente dos consumidores, mas, sobretudo, oferecendo condições para que este pensamento crítico tenha espaço para se expressar. Na teoria é muito bom que todos saibam tudo sobre tudo, tenham acesso uma vasta quantidade de informação mas, na prática, o fato de saber não significa, necessariamente, condições para se orientar conforme esse conhecimento.
Uma boa polítca pública não é a que deixa todos livres, mas que permita que a liberdade não se torne um instrumento para dominação. Num mundo estimulado a “viver para comer” e não “comer para viver”, já é hora de pararmos para pensar um pouco nisso e não ceder à resposta fácil e moralista da gula, da falta de vontade e de caráter, ou que vivemos uma espécie de histeria alimentar coletiva – que só serve para culpar e não para resolver nada. Afinal, se a resposta fácil não resolve, talvez, o problema é que tenha se tornado complexo.
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