sexta-feira, 20 de junho de 2008

Comendo com os olhos: a pressão do consumidor sobre a produção agrícola

Uma boa comida, diria algum gastrônomo, decididamente não precisa ser apenas nutritiva ou deliciosa, mas, também, bonita. Quem nunca comeu com os olhos as guloseimas cuidadosamente confeitadas, enfileiradas nas vitrines de alguma doceria? Ou sentiu a boca se encher de água ao ver (ou só pensar) num prato deliciosamente apresentado?

Essa seleção visual sobre alimentos se explica não só pelo instinto de sobrevivência, que nos garante apetite para variar os alimentos consumidos e para evitar os venenosos, mas também revela um componente cultural, onde os alimentos bonitos e perfeitos são associados à idéia de mais saudáveis, mais nutritivos, além de contarem com um melhor aproveitamento no seu preparo ou consumo. Por isso vemos muitas donas de casa, tão zelosas em suas compras, escolhendo cuidadosamente os alimentos por tamanho, cor, estado de maturação, frescor, peso etc. A combinação de critérios é enorme e, para quem não entende nada de cozinha, mais parece um exercício inútil, já que os cachos de banana parecem não diferir muito entre si, tampouco os tomates, as cenouras, as maçãs, que se empilham, iguaizinhas nos tabuleiros... Já o que foge desse padrão, o que está machucado, amassado, desfolhado, vai logo ficando para trás, para a chamada "hora da xepa" ou para o dia de oferta, em que são pechinchados e levados para casa bem mais baratinho.

No entanto, o que parece ser uma inocente atividade doméstica, um carinho e um cuidado especial com a saúde da família, guarda, por outro lado, um preocupante problema de ordem ambiental: a quantidade de alimentos que é desperdiçada para se selecionar aqueles alimentos tão perfeitos, cheirosos, reluzentes, fresquinhos e iguaizinhos. Se observarmos um pé de fruta ou uma horta, não será difícil perceber que os seus produtos não são idênticos: alguns nascem um disformes, outros têm uma tonalidade diferente ou manchas, uns têm buracos de bichinhos, alguns são maiores que outros ... Bem diferente do mundo homogêneo das barracas das feiras livres ou balcões do supermercado!

A ilusão custa caro: afinal, para se chegar a isso - a tamanha homogeneização - é preciso selecionar e produzir muito, agrupando por tamanho, por cor, por peso, por formato, para então vender por preços e para públicos distintos, e isso tudo, numa escala de produção tal que permita todo esse processo. É certo que os alimentos que não são qualificados como inadequados para o consumidor direto acabam servindo a outros fins, como a indústria de alimentos. Contudo, ainda assim, continuam a servir à mesma ilusão, na medida em que, embalados nas caixinhas tetrapak ou nas latinhas de conserva, lado a lado nas prateleiras dos supermercados, são perfeitamente iguais, no sabor, na cor, no tamanho, na quantidade.

Além disso, muito se argumenta (e eu nunca vi quem discordasse disso) que o problema da fome no mundo hoje é um problema de distribuição, não de produção de alimentos. Afirma-se que alguns poucos se refestelam no excesso e no desperdício, ao passo que a grande parte não acessa ou acessa parcialmente esses alimentos. Se não for repensada essa forma de apropriação e de distribuição da comida, o que será de nós daqui uma década, quando se projeta que a população mundial será de aproximadamente 10 bilhões de pessoas? Será possível prosseguir nessas práticas?

Esse, me parece, é o árduo desafio do consumo sustentável: o despertar do sonho da infinitude dos recursos naturais e do absoluto controle da natureza e seus processos. O reconhecer da imprescindibilidade de se rever padrões e hábitos de consumo. O estabelecer de uma nova postura crítica e ativa diante da realidade. O partilhar como condição para a qualidade de vida. O repensar e o refazer da nossa formação cultural. E, quiçá, a emergência de uma nova sociedade, uma nova civilização...




Nenhum comentário: